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segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Virar o jogo, não apenas o placar.

Finalmente, acabaram as conjecturas, os exercícios de adivinhação, os cálculos evangelásticos. Divulgados os números do Censo pelo IBGE, os evangélicos brasileiros somam aproximadamente 26 milhões, e continuam sendo o grupo religioso que mais cresce no país. É verdade que estamos muito aquém daqueles 50 milhões, 60 milhões que algumas pessoas alardeavam. Também deixamos definitivamente de ser um gueto. Os novos números do Censo significam representatividade. Infelizmente, porém, para o bem e para o mal. Explico. É evidente que, como cristãos, é uma notícia feliz a de que a Igreja está experimentando um crescimento tão grande. O número de evangélicos brasileiros é maior do que toda a população do Chile e da Bélgica juntas, por exemplo. Há mais crentes no Brasil do que peruanos no Peru. Se vivêssemos na França, já seríamos 50% da população. Qual o evangélico que não pode se orgulhar disto? Como não se alegrar com a perspectiva de que a mensagem do Evangelho está sendo semeada no país e caindo em solo fértil? Por que não exultar com o fato de que, mesmo ainda sendo um grupo minoritário, não há como nos ignorar? Mas há outra forma de olhar para os novos números, e que implica uma certa angústia. Para nossa tristeza, tantos outros indicadores negativos continuam crescendo em proporção equivalente ou até maior do que os da Igreja Evangélica. Apesar de já representarmos 15,7% da população, a violência doméstica, os divórcios, as uniões informais, a gravidez na adolescência, a corrupção, a criminalidade das grandes cidades, a injustiça social e tantas outras mazelas com as quais convivemos não param de crescer. Isto nos leva a questões inevitáveis. Que diferença estamos fazendo na sociedade? Por que passamos a ser tantos e o país mudou tão pouco? Por que não somos capazes de produzir uma mudança autêntica no país? Estamos cumprindo nosso papel como sal e luz? Ou nossa participação na comunidade se limita a lotar templos? Será que estamos nos conformando com a situação mencionada pelo pensador cristão D.M. Lloyd-Jones, segundo o qual o mundo está cheio de "igrejas cheias de gente vazia"? O que, como Igreja do Senhor, estamos deixando de fazer? Não tenho dúvidas quanto à paixão da maioria dos evangélicos brasileiros pela mensagem da cruz, nem acho que haja negligência com as necessidades daqueles que, como dito em Provérbios, "se encontram em opressão", seja ela de natureza espiritual ou humana. Mas me permito questionar nossas atitudes em relação à missão que nos foi confiada por Jesus. Ao invés de se levantar profeticamente — o que, geralmente, significa confrontação —, os evangélicos, de forma geral, preferem a passividade, lançando mão de textos bíblicos isolados, fora de contexto, para evitar o engajamento na luta por uma sociedade mais justa, um dos objetivos mais claros do Evangelho. Nossas chamadas "bancadas evangélicas", de forma geral, são especialistas nesta modalidade de omissão. Há, ainda, a minoria que tenta encontrar amparo bíblico uma postura corporativista, mantida à base de conchavos que, não raro, camuflam interesses pessoais. Delas, ouve-se sempre o mesmo discurso: "A igreja deve ser beneficiada, não importa a que preço." Ou: "Roupa suja se lava em casa." Continuamos engordando, enquanto milhões de crianças em idade escolar estão longe das salas de aula, trabalhando numa lavoura ou mendigando nas ruas. Nosso orgulho por conta de nosso tamanho nos impede de enxergar a gordura que impede nossos movimentos por uma sociedade mais justa. Ao invés de olharmos para os números do Censo com a sensação de um jogador de futebol que está tentando virar o jogo para garantir o bicho, muito melhor seria que os 26 milhões pesassem sobre nossa consciência como o aumento de nossa responsabilidade. Não basta virar o placar: precisamos jogar a favor do desfavorecido. Senão, será muito triste esperar por mais um Censo que aponte um país inteiro de evangélicos que convivem indiferentes com a desigualdade social

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